3 de novembro de 2015
O futuro do pretérito
10:30
| Postado por
Eduardo Cantos Davö
|
Tou besta creança!... Tantas
frentes à se combater!
Muitos dizem que o futuro, o que o
cinema de ficção científica nos prometeu, tinha roupas prateadas,
naves tripuladas, com cosmonautas inteligentes e evoluídos,
explorando o espaço sideral, desbravando os limites do universo...
Não!... Não vejo nada sequer
similar... Nem aqui, nem por aí! A década corrente não se
apresenta diferente dos anos de 1930. Há, como havia naquela época,
uma sombra fascismo e do nazismo se erguendo no horizonte.... A exploração
continua comendo solta, creança, só não vê quem está cego
demais pelo capital!...
Foto: Bob Adams. Flickr. |
Parece até que posso esbarrar com
Mara Lobo numa esquina, pois o Parque Industrial descrito por Pagú,
sob tal pseudônimo, parece tocável...
Ainda são os mesmos filhos bastardos
da sociedade sendo explorados, produzindo riquezas na base de dez,
enquanto ganham um; espremidos no camarão da sociedade, que já não
se refere aos bondes, mas aos tantos outros meios de transporte
malcuidados e superlotados, que ainda percorrem as mesmas cem ruas do
Brás.
A pseudo-moral lancinante ainda vibra
na alta sociedade que domina as leis e o capital, a burguesia
continua a ter apenas filhos legítimos ainda que sejam tão
bastardos quantos os demais filhos naturaes da sociedade, que
cozinham os banquetes burgueses enquanto comem um pão com ovo
esfarelento.
Parece tão hodierna a denúncia da
violência e opressão às mulheres (cisgênero ou transgênero), do
abuso que, tragicamente, ainda é real, da minoração de
oportunidades, do machismo e misoginia cotidianos, do assédio sexual
e tantas outras situações que as mulheres não deveriam ter de
sofrer.
Ah! Esse temor obtuso que homens
têm... Essa certeza absoluta de que as mulheres farão o mesmo com
maior primor!
Tou besta creança! Parece
mesmo que ainda estamos em 1930 ou 1940!
O corpo alheio continua sendo
propriedade e a questão do aborto nunca foi discutida abertamente...
Reminiscências de uma cultura religiosa dogmática que se recusa a
perceber o óbvio e se apega ao fantástico! Não... Não estamos
nenhum pouco distantes do cenário social descrito pelo Parque
Industrial ou pela Idade da Razão, de Sartre.
A questão da prostituição,
igualmente não discutida, pela mesma razão, permanece inalterada,
marginalizada. O ser posto enquanto objeto de uso e descarte e,
depois, torna-se invisível... A cultura machista de apropriação do
corpo e desprezo da existência de um ser.
A organização familiar, também
tratada em obras daquela década, demanda mor análise. Não entendo a
total falta de capacidade mental dos que não compreendem e não
reconhecem que família é uma ligação afetiva, sem forma
preestabelecida... Para uma Corina, personagem de Pagú, expulsa de
casa grávida, hostilizada pela sociedade, Otávia é bem mais
família que o próprio pai que, tão cruelmente a maltratou.
Ah! Aqueles anos de 1930, o começo
da plena industrialização, da sociedade industrial nos moldes que
temos hoje! Marcuse tem razão: a sociedade industrial colaborou para
fazer homem cada vez mais comodista, num sistema quase incombatível
que, mesmo em crise, parece intransportável e, o ser posto na
sociedade industrial, se apega aos pequenos prazeres e chega a
agradecer ao Estado por ter lhe tomado o que lhe era caro... E,
também, por ter aquilo que já era seu!
Não fosse por tal sistema, aliado à índole humana, comodista e desesperada em ser mais que o seus pares,
não haveria o regime perene de opressão... O mais cruel opressor é
aquele que já foi oprimido, porque não conhece outra linguagem
senão esta.
Foto James Loesch. Flickr. |
Talvez o peso do comodismo até seja
maior hodiernamente, mas ainda assim somos arrogantes e obtusos
demais para nos unirmos... Somos pernósticos e primitivos demais
para darmos as mão e criarmos um sistema sem caciques, sem ordens,
sem Estado... Somos egoístas e violentos demais para sermos
minimamente civilizados, para compartilharmos os frutos com
igualdade, sem esperar por uma retribuição... Isso porque fomos
adestrados como cães, está no fundo de nosso ser esse vício de
fazer o algo em busca de uma retribuição... Twain tem razão,
creança, os vícios não saltam pela janela, têm,
infelizmente, que descer pela escadaria.
Tou besta creança!... Em ver
que, no duro, estamos num quarto escuro e úmido, sentados no chão,
olhando para uma porta... Que, em verdade, nunca esteve trancada!
Eduardo Cantos Davö
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- Eduardo Cantos Davö
- Músico, Escritor, Anarquista e estudante de Direito (embora seja paradoxal). Um idealista, em busca do compreendimento das cousas mais banais que nos rodeiam.
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