3 de novembro de 2015
Tou besta creança!... Tantas frentes à se combater!
Muitos dizem que o futuro, o que o cinema de ficção científica nos prometeu, tinha roupas prateadas, naves tripuladas, com cosmonautas inteligentes e evoluídos, explorando o espaço sideral, desbravando os limites do universo...
Não!... Não vejo nada sequer similar... Nem aqui, nem por aí! A década corrente não se apresenta diferente dos anos de 1930. Há, como havia naquela época, uma sombra fascismo e do nazismo se erguendo no horizonte.... A exploração continua comendo solta, creança, só não vê quem está cego demais pelo capital!...
Foto: Bob Adams. Flickr.
Parece até que posso esbarrar com Mara Lobo numa esquina, pois o Parque Industrial descrito por Pagú, sob tal pseudônimo, parece tocável...
Ainda são os mesmos filhos bastardos da sociedade sendo explorados, produzindo riquezas na base de dez, enquanto ganham um; espremidos no camarão da sociedade, que já não se refere aos bondes, mas aos tantos outros meios de transporte malcuidados e superlotados, que ainda percorrem as mesmas cem ruas do Brás.
A pseudo-moral lancinante ainda vibra na alta sociedade que domina as leis e o capital, a burguesia continua a ter apenas filhos legítimos ainda que sejam tão bastardos quantos os demais filhos naturaes da sociedade, que cozinham os banquetes burgueses enquanto comem um pão com ovo esfarelento.
Parece tão hodierna a denúncia da violência e opressão às mulheres (cisgênero ou transgênero), do abuso que, tragicamente, ainda é real, da minoração de oportunidades, do machismo e misoginia cotidianos, do assédio sexual e tantas outras situações que as mulheres não deveriam ter de sofrer.
Ah! Esse temor obtuso que homens têm... Essa certeza absoluta de que as mulheres farão o mesmo com maior primor!
Tou besta creança! Parece mesmo que ainda estamos em 1930 ou 1940!
O corpo alheio continua sendo propriedade e a questão do aborto nunca foi discutida abertamente... Reminiscências de uma cultura religiosa dogmática que se recusa a perceber o óbvio e se apega ao fantástico! Não... Não estamos nenhum pouco distantes do cenário social descrito pelo Parque Industrial ou pela Idade da Razão, de Sartre.
A questão da prostituição, igualmente não discutida, pela mesma razão, permanece inalterada, marginalizada. O ser posto enquanto objeto de uso e descarte e, depois, torna-se invisível... A cultura machista de apropriação do corpo e desprezo da existência de um ser.
A organização familiar, também tratada em obras daquela década, demanda mor análise. Não entendo a total falta de capacidade mental dos que não compreendem e não reconhecem que família é uma ligação afetiva, sem forma preestabelecida... Para uma Corina, personagem de Pagú, expulsa de casa grávida, hostilizada pela sociedade, Otávia é bem mais família que o próprio pai que, tão cruelmente a maltratou.
Ah! Aqueles anos de 1930, o começo da plena industrialização, da sociedade industrial nos moldes que temos hoje! Marcuse tem razão: a sociedade industrial colaborou para fazer homem cada vez mais comodista, num sistema quase incombatível que, mesmo em crise, parece intransportável e, o ser posto na sociedade industrial, se apega aos pequenos prazeres e chega a agradecer ao Estado por ter lhe tomado o que lhe era caro... E, também, por ter aquilo que já era seu!
Não fosse por tal sistema, aliado à índole humana, comodista e desesperada em ser mais que o seus pares, não haveria o regime perene de opressão... O mais cruel opressor é aquele que já foi oprimido, porque não conhece outra linguagem senão esta.
Foto James Loesch. Flickr.
Então, creança, toda luta das décadas seguintes parece em vão, pois ao olhar em volta não há grandes diferenças... Talvez hoje, na era da informação instantânea a dor seja maior... Tomo um espumante, enquanto alguém é bombardeado em nome da paz... Tomo um banho demorado, enquanto alguma criança morre de sede no chifre da África... Uso um produto fantástico, enquanto um animal é torturado pela minha segurança... Ando num carro bacana, enquanto uma ilha na Oceania desaparece pelo aquecimento global... E ainda assim, somos incapazes de parar esse sistema letal!

Talvez o peso do comodismo até seja maior hodiernamente, mas ainda assim somos arrogantes e obtusos demais para nos unirmos... Somos pernósticos e primitivos demais para darmos as mão e criarmos um sistema sem caciques, sem ordens, sem Estado... Somos egoístas e violentos demais para sermos minimamente civilizados, para compartilharmos os frutos com igualdade, sem esperar por uma retribuição... Isso porque fomos adestrados como cães, está no fundo de nosso ser esse vício de fazer o algo em busca de uma retribuição... Twain tem razão, creança, os vícios não saltam pela janela, têm, infelizmente, que descer pela escadaria.
Tou besta creança!... Em ver que, no duro, estamos num quarto escuro e úmido, sentados no chão, olhando para uma porta... Que, em verdade, nunca esteve trancada!


Eduardo Cantos Davö

0 comentários:

Postar um comentário

Redes Sociais

Site Oficial

Conheça o site oficial de Eduardo Cantos Davö.

Visitar o site

Postagens populares

Visitas


Translate

Tecnologia do Blogger.

Autor

Minha foto
Músico, Escritor, Anarquista e estudante de Direito (embora seja paradoxal). Um idealista, em busca do compreendimento das cousas mais banais que nos rodeiam.