11 de agosto de 2010
E eis que um dia nasceu o Tempo, aquém do próprio tempo que se faz em mente, não um Khronos mitificado, nem se sabe ao certo o que era, mas dividia as eras, não a Hera, do panteão, nem mesmo os séculos, talvez estes nem existissem, eram apenas fragmentos, grãos de areia cinzentos, pedaços de uma recordação.
E tanto esforço vão, tantos ecos e vácuos, tamanha sua solidão! E se desdobrou tanto, viveu de riso e de pranto, em sua soberba inebriado, já pálido, tíbio, cansado, renasceu de si mesmo em Espaço. Não o espaço comensurável, medida de distância, ou par, era apenas espaço.
Eram, com efeito, dois díspares, duas faíscas de um mesmo fogo, mesma alma perdida, vagando loua em tempo de tempo algum, em espaço de espaço nenhum.
E neste tempo surgiu errante, em meio a flores berrantes, uma louca poesia, de um ser, que mais do que mero ser, era também estar, pois o futuro apenas projetava, já que nada existia, seu nome era loucura, insânia plenamente pura, em sua forma original. E vagava a todo canto, perdia a noção da hora, mas nem mesmo havia o tempo, quiçá, existia o espaço. Por isso era a essência do devaneio.
E ao vagar pelo Nilo, antes mesmo de ser o Nilo, viu uma face perdida em vulto, e esta cismava em não abandonar sua mente, saltava os dias, transgredia as horas, inventava o ser de seu próprio ser, e nada de esquecer tal face inesquecível, no sentido pleno do termo.
Seguiu andarilho, pelos quatro cantos, pelos sete mares, mundo afora, buscando rostos, colecionando faces em busca de uma só. E o tempo passou, mesmo não existindo, e a cada dia era mais fraco o passo de seu caminhar, e a cada instante era mais vivaz a imagem, adornada no frescor verdejante de relva matutina, da face que lhe sorrira uma vez, e apenas esta.
Assim, colecionou tantas faces, rostos diversos, de rainhas negras da áfrica, de gueixas do oriente, de pajés ameríndios, de Madalenas e Marias, de papas, de santos, de muitos outros pouco santos, que quase esqueceu a face que buscava em seu desvario pungente.
E um dia, deparou-se com a face que buscara a vida inteira, refletida num espelho, um mero espelho. E buscou em todo lugar imaginável, e inimaginável também, o que deveras estava tão perto - sua própria face! - e sem entender o motivo se interrogava: Era esta a face do Tempo ou do Espaço? E sem conclusão admissível pensou, em paz consigo, que era apenas o fragmento de ambos, o grão de areia que vaga no espaço pela força do tempo, pois o grão é meio termo entre o tempo e o espaço, jamais moverá o vento, mas sempre se moverá com ele.
Eduardo Cantos Davö

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Músico, Escritor, Anarquista e estudante de Direito (embora seja paradoxal). Um idealista, em busca do compreendimento das cousas mais banais que nos rodeiam.