24 de outubro de 2013
Uma dose de má-fé para símios pernósticos
20:39
| Postado por
Eduardo Cantos Davö
|
Continuo a dizer aquilo que sempre cri, o Homem é pedante, os seres
humanos são assustadores e irracionais, de uma fealdade ininteligível.
Não faz muito tempo, fomos surpreendidos, mais uma vez, pelas denúncias
de ativistas contra certo instituto que realizava “pesquisas científicas” em animais, em especial, cães da raça beagle.
Foto de Elaine Vigneault. Flickr.
Eram notórios os testes realizados por empresas multinacionais, com
destaque para uma indústria cosmética, assaz famosa por patrocinar filmes e
sempre estar em evidência na mídia. Contudo, assombra-me a reação de certos
sujeitos, que compactuam com este tipo de violência.
Tive de refletir sobre a questão, tentei buscar uma linha de raciocínio
que me pudesse justificar a postura dos sujeitos em defesa de um instituto
daqueles. Não encontrei.
Parecem-me evidentes algumas questões, a primeira delas é o inacreditável
temor humano da morte. Isso... Deste temor se iniciam todos os demais horrores
promovidos por esta espécie – da qual infelizmente sou parte!
A pior de todas as capacidades humanas é a da projeção, por conta dela,
conseguimos atinar que tudo que vive morre e vivemos de tentar prever o amanhã,
planejar o que não permite um tracejo real, pois é mero vir a ser. Com isso, há
um desespero em evitar a morte, um desejo impulsivo de viver, não porque se
deseja viver, mas, simplesmente, porque o organismo somente deseja alcançar seu
objetivo – a morte – pelo seu próprio meio de autodestruição, como já bem disse
Sigmund Freud.
O real problema neste trajeto, entre nascer e morrer, é a incapacidade
humana em lidar com sua terrível liberdade, liberdade de buscar os meios de
autodestruição do ser, a forma como este deseja morrer, o prazer em infligir
dor, a insuportável liberdade no prazer. Liberdade é insuportável quando
demasiada... Ninguém esteve tão correto quanto Jean-Paul Sartre, ao declarar
que “o Homem está condenado a ser livre”.
Essa liberdade incondicionada leva o Homem à má-fé, conforme Sartre
evidencia. Não aquela má-fé de buscar enganar ao outro, mas a má-fé de se
enganar.
Lidar com a liberdade é tão insustentável, posto que é plena, que
buscamos meios de nos livrarmos dessa liberdade, meios de ter a quem culpar, um
Deus que justifique as atitudes pelos quais os únicos responsáveis somos nós
mesmos, um conceito forjado de bem e mal, pelos quais justificamos ações
nossas. Agimos livremente e, depois, não suportamos saber de nossas atitudes
livres.
Vi isso nitidamente em cada palavra do discurso vazio da gerente do
instituto em foco, senhora Silvia
Ortiz, em estado de náusea, aliás.
A primeira coisa, que muito me admira, é observar que uma doutora
responsável por um laboratório – que, diga-se de passagem, parece existir a bem
pouco tempo – não teve, sequer, a capacidade de realizar seu cadastro junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) de forma
aceitável, o que não vem ao caso, já que não me agradam os argumentos ad personam.
Após ver seu depoimento, ao dizer que em seu instituto se realizavam
pesquisas acerca de medicamentos para o combate ao câncer, entre outras doenças,
não posso me furtar em analisar que pesquisas para medicamentos são
importantes, entretanto, não sejamos pueris em crer que uma virtual solução
para uma doença como o câncer, pesquisado há mais de um século em todo o mundo,
sairá de um instituto como aquele.
Outrossim, devemos analisar que ao testar um produto em um animal,
trabalha-se em uma estrutura biológica muito diversa da estrutura humana. Não
nos olvidemos que medicamentos como o famigerado Debendox, além de outros que
hoje constam na lista negra da ANVISA, foram devidamente testados em animais,
com resultados mui satisfatórios naqueles.
Há indivíduos que se sentem bem em saber que, quiçá, viverão um momento
fugaz a mais, mesmo que isso tenha custado a vida de um ser que, exatamente
como o ser humano, conseguiu evoluir até os dias de hoje e, por tal, lhe
assiste a mesma força natural de sobrevivência, o mesmo direito. Não digo
daquele direito positivado e criado pela humanidade, mas aquele que se impõe
nas forças evolutivas pelas quais, não fosse algum desastre desafiador da
biologia, estaríamos extintos há muito tempo, já que somos mal adaptados. Para
estes indivíduos, sinto informar, a morte não manda avisos, chega simplesmente,
não se importa se você usa ou não medicamentos, produtos de limpeza,
cosméticos...
Aliás, tenho pensado que viver mais, essa cousa insana de longevidade,
que temos hodiernamente, não me parece surtir muito efeito, já que a cada dia
vejo seres mais vazios, mais alienados, mais facilmente especuláveis... Parecem
corroídas as massas cinzentas!
Por fim, quero ressaltar que há alternativas para as pesquisas, sem
meios cruéis, sem que animais sejam torturados para a obtenção de resultados
práticos.
É preciso que reconheçamos nossa insignificância para o ecossistema,
nossa irrelevância para o planeta, n’um estado de litost, pois, somos a única espécie que degrada o próprio habitat e, por tal motivo, me parece o
mais irracional dos animais. É preciso que deixemos de ser esta espécie pernóstica
que julga que seus males, de símios mal evoluídos, são mais importantes que
todos os demais.
Cada vez mais constato o dantes percebido por Mark Twain: “Ao estudar as
características e a índole dos animais, encontrei um resultado humilhante para
mim.”
Foto de Nate Shivar. Flicr
Aos que resgataram os animais do instituto, meu respeito pela bravura!
Não nos esqueçamos que em nome do bem da humanidade inúmeras guerras se desencadearam, inúmeras vidas se perderam, incontáveis fogueiras arderam...
Não nos esqueçamos que em nome do bem da humanidade inúmeras guerras se desencadearam, inúmeras vidas se perderam, incontáveis fogueiras arderam...
Eduardo Cantos Davö
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Autor
- Eduardo Cantos Davö
- Músico, Escritor, Anarquista e estudante de Direito (embora seja paradoxal). Um idealista, em busca do compreendimento das cousas mais banais que nos rodeiam.
Isso mesmo. Adorei.
ResponderExcluirIsso mesmo. Adorei.
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