26 de outubro de 2012


Era noite de ventania quando ela nasceu, com olhos côr de coqueiro beira-mar, arqueando-se co’a força do ar.
Cresceu n’um mundo cujo espaço já não se dividia, onde tudo se comprava e se vendia. E quando tudo é capital, até o conhecimento ganha preço, n’um absurdo desprezo do que de fato o é.
Comprou bem pouco saber, pagando a varejo, n’um botequim de esquina... Só mais uma mercadoria!
E pelo pouco, bem pouco, que sabia, tornou-se pernóstica, imbuiu-se das cousas humanas... Era quase igual a eles.
Em seu mirar, tacanho, via primavera no que era inverno... Fomentava em si o ego do muito conhecer, que vivia em corda bamba, apoiado no mui pouco dantes adquirido.
Cada vez mais, com o correr do tempo, afastava-se de seu estado natural... Desprezava aos ignorantes, por sua debilidade intelectual; aos sábios, por sua quietude que abominava.
A filha do caos não via que o pouco não nos torna muito e que, mesmo o muito, apenas nos faz entender que estamos assaz aquém do nada.
Ascendeu... Pois no mundo seu não se cresce quando merece, mas quando se sabe a quem bajular, onde estar. Cresce quem finge, mais bem fingido, ser mais do que o nada que é.
Ao atingir às sórdidas margens do sucesso, repetia, n’um eco cíclico, aquilo que o mundo fizera dela – ou ela fizera do mundo – já não se sabia! Era apenas o caos!
Co’as pretensões humanas espelhadas no caos, já não falavam a mesma língua, pois cada um sabia mais em sua inútil razão absoluta. Criaram os dialetos de um homem só, muitas das vezes.
Guerreavam por suas certezas próprias e ferrenhas, até que, já nem sabiam o porquê da luta... Talvez pelo mero hábito de querer ver suas pretensões se tornarem absolutas.
E seguiam, uniam-se por interêsse, depois, puxam seus tapetes, como havia ensinado a filha do caos aos filhos e pais nas salas inúteis de ter, pois estar e ser eram verbos banidos.
A filha do caos era cínica, com sua fórma arqueada e olhos de coqueiro, volúveis ao vento. Sabia cometer as injustiças e ser a injustiçada, aprendera com os homens a falta de virtudes, a ausência de consciência... Sua voz era o som do universo a ruir... O tom do apocalipse.
Sabia tão pouco, embora disfarçado n’um oceano de conta gotas, que sequer conhecia seu nome! Mas, como evidente era e sem quimera, não tardou em descobrí-lo, ao mirar bem fundo nos olhos de símios pedantes de cada ser humano: era a Ignorância, companheira eterna destes animais que, por serem inúteis e terem inventado modos e falas que nenhum outro entende, julga-se, em vão, superior... Balela humana!
A filha do caos se espalhou por todos os cantos, limitando e restringindo o ser aos seus temas predefinidos, era uma venda a cegar a visão um dos outros... Estava em todo lugar.
Hoje, se quiser vê-la é bem simples: abra as janelas, ela estará lá, fitando para si.

Eduardo Cantos Davö

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Músico, Escritor, Anarquista e estudante de Direito (embora seja paradoxal). Um idealista, em busca do compreendimento das cousas mais banais que nos rodeiam.