26 de outubro de 2012
A Filha do Caos
17:30
| Postado por
Eduardo Cantos Davö
|
Era noite de ventania
quando ela nasceu, com olhos côr de coqueiro beira-mar, arqueando-se co’a força
do ar.
Cresceu n’um mundo
cujo espaço já não se dividia, onde tudo se comprava e se vendia. E quando tudo
é capital, até o conhecimento ganha preço, n’um absurdo desprezo do que de fato
o é.
Comprou bem pouco
saber, pagando a varejo, n’um botequim de esquina... Só mais uma mercadoria!
E pelo pouco, bem
pouco, que sabia, tornou-se pernóstica, imbuiu-se das cousas humanas... Era
quase igual a eles.
Em seu mirar,
tacanho, via primavera no que era inverno... Fomentava em si o ego do muito
conhecer, que vivia em corda bamba, apoiado no mui pouco dantes adquirido.
Cada vez mais, com o
correr do tempo, afastava-se de seu estado natural... Desprezava aos
ignorantes, por sua debilidade intelectual; aos sábios, por sua quietude que
abominava.
A filha do caos não
via que o pouco não nos torna muito e que, mesmo o muito, apenas nos faz
entender que estamos assaz aquém do nada.
Ascendeu... Pois no
mundo seu não se cresce quando merece, mas quando se sabe a quem bajular, onde
estar. Cresce quem finge, mais bem fingido, ser mais do que o nada que é.
Ao atingir às
sórdidas margens do sucesso, repetia, n’um eco cíclico, aquilo que o mundo
fizera dela – ou ela fizera do mundo – já não se sabia! Era apenas o caos!
Co’as pretensões
humanas espelhadas no caos, já não falavam a mesma língua, pois cada um sabia
mais em sua inútil razão absoluta. Criaram os dialetos de um homem só, muitas
das vezes.
Guerreavam por suas
certezas próprias e ferrenhas, até que, já nem sabiam o porquê da luta...
Talvez pelo mero hábito de querer ver suas pretensões se tornarem absolutas.
E seguiam, uniam-se
por interêsse, depois, puxam seus tapetes, como havia ensinado a filha do caos
aos filhos e pais nas salas inúteis de ter, pois estar e ser eram verbos
banidos.
A filha do caos era
cínica, com sua fórma arqueada e olhos de coqueiro, volúveis ao vento. Sabia
cometer as injustiças e ser a injustiçada, aprendera com os homens a falta de
virtudes, a ausência de consciência... Sua voz era o som do universo a ruir...
O tom do apocalipse.
Sabia tão pouco,
embora disfarçado n’um oceano de conta gotas, que sequer conhecia seu nome!
Mas, como evidente era e sem quimera, não tardou em descobrí-lo, ao mirar bem
fundo nos olhos de símios pedantes de cada ser humano: era a Ignorância,
companheira eterna destes animais que, por serem inúteis e terem inventado
modos e falas que nenhum outro entende, julga-se, em vão, superior... Balela
humana!
A filha do caos se
espalhou por todos os cantos, limitando e restringindo o ser aos seus temas
predefinidos, era uma venda a cegar a visão um dos outros... Estava em todo
lugar.
Hoje, se quiser vê-la
é bem simples: abra as janelas, ela estará lá, fitando para si.
Eduardo Cantos Davö
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- Eduardo Cantos Davö
- Músico, Escritor, Anarquista e estudante de Direito (embora seja paradoxal). Um idealista, em busca do compreendimento das cousas mais banais que nos rodeiam.
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